EPIMENTA - 12 Abril 2013
GERALD THOMAS, NICOLE E O LIVRO
O affair GT versus NB
O mundo mudou para melhor.
Há poucas décadas as mulheres andavam nas ruas acompanhadas de seus pais e/ou irmãos como forma de se proteger contra investidas de homens que fossem achacá-las moral ou sexualmente.
O feminismo conquistou direitos básicos para as mulheres e pavimentou as calçadas para as divertidas moças da banda Pussy Riot. E também para o grupo Femen e as seguidoras da Slutwalk (Marcha das vadias, em português).
As moças promovem manifestações públicas suprapartidárias para defender a mulher. Os temas são sexismo, turismo sexual, direito ao parto em casa, a violência doméstica, a opressão da mulher na Rússia, o direito da mulher se vestir de maneira sensual sem ser achacada por homens nas ruas.
Elas têm a atitude punk que antes era primazia dos meninos. Gritam e fazem vandalismo. Uma conquista da cena Riot Grrrl, que começou nos anos 90 quando as meninas deixaram de ser apenas backing vocals das bandas hardcore e começaram a cuspir.
Elas têm ostensiva presença digital, domínio das redes e do funcionamento da mídia. Emplacam mostrando os peitos e as partes pudendas. O Femen é um grupo de protesto fundado em 2008 por Anna Hutsol, com base na cidade de Kiev. A banda Pussy Riot é uma banda russa de punk rock que entoa melodias contra a Igreja e o governo de Putin. A Slutwalk é um movimento mundial que surgiu no Canadá, em 2011, quando foi empreendida a primeira marcha.
Camille Paglia, que é quase uma brasilianista, grande admiradora de Daniela Mercury, explica bem a Slutwalk.
Considera que essas marchas de moças incautas ignoram a natureza selvagem do sexo. São ingênuas, inócuas. Vamos à própria Camille, em texto para a imprensa britânica, em 2011:
“Prostitutas, strippers, pornografia, estes são os meus ideais da Babilônia. Em livros como Vamps & Tramps, lutei pró-feminismo contra os hipócritas e filisteus do Establishment feminista.
A rápida expansão global da Slutwalk demonstra a energia e as aspirações das jovens feministas. Mas sua mensagem confusa é um sintoma do caos sexual e anomia da burguesia ocidental.
Não chame a si mesmo de vagabunda, a menos que você esteja preparada para viver e defender-se como uma. Meu credo é um feminismo alerta, cauteloso, militante, o duro código de sobrevivência de prostitutas e drag queens.
O sexo é uma força da natureza, e não apenas uma construção social. (…) Meninas superprotegidas de classe média têm uma visão perigosamente ingênua do mundo. Elas não conseguem ver a animalidade e primitivismo do sexo, historicamente controlada pelas tradições da religião e da moralidade, agora firmemente dissolvendo-se no Ocidente. A revolução sexual vencida pela minha geração nos anos 1960 é uma faca de dois gumes.”
Até onde pude acompanhar, a ingenuidade e o despreparo intelectual nortearam até aqui a repercussão do affair Gerald Thomas-Nicole Bahls. O dramaturgo chegou a ser acusado de tentativa de estupro! As feministas que sempre trataram as chacretes do Pânico como a escória são as mesmas que agora defendem uma delas como vítima do “machismo” e aludem a uma certa “cultura do estupro”. Olha aqui, vamos conversar, senta aqui, come the fuck on.
Entenda o caso, é meio surreal.
Incrível como ninguém tratou do mais importante: o belo livro de desenhos lançado pelo autor nesta semana. Escrevi sobre o assunto e entrevistei Thomas, reproduzo o resultado abaixo.
De certa forma, o teatro de Gerald nasceu do seu talento como desenhista
Acaba de sair o livro de desenhos do Gerald Thomas, Arranhando a superfície [Scratching the Surface]. Publicado pela Editora Cobogó, com organização e apresentação da editora Isabel Diegues e textos de Zuenir Ventura e Antonio Gonçalves Filho, a publicação reúne mais de 130 desenhos feitos pelo autor, entre capas de revistas, cartazes, estudos para suas peças e ilustrações publicadas no The New York Times.
Você pode comprar o livro aqui. São 224 páginas, R$ 80,00.
Gerald Thomas era um garotão cheio de planos no começo da década de 1980. Muitos planos, nenhum dinheiro no bolso e todas as oportunidades de uma cidade como Nova York. Foi quando então virou-se para Daniela Thomas, com quem era casado, e viu-se tentado pela ideia de buscar uns frilas como ilustrador nos jornais e revistas da cidade.
De certa forma, Gerald Thomas — a quem doravante chamarei GT – começou ali. Foi desenhando e pintando para o Times e revistas como Atlantic Monthly, Mother Jones e Vanity Fair que consolidou o talento para as artes visuais, base de todo o seu trabalho posterior no teatro, este amplamente conhecido.
São trinta anos desde os primeiros desenhos publicados. T-R-I-N-T-A anos.
Mas como foi mesmo, GT, que você começou a frilar para o The New York Times?
– Eu sempre desenhei, pintei. Aliás, muito antes do teatro, essa é a minha formação, via Ivan Serpa e Hélio Oiticica, Ziraldo e, mais tarde, Saul Steinberg. Era 1981 e tínhamos acabado de participar da The Tempest, no Delacort Theater (de Joe Papp) no Central Park. Liguei pro departamento de arte da OpEd page do Times. Me passaram pra Jerelle Kraus. A norma era de deixar o portfólio na portaria todas as quartas e receber um bilhetinho. Ela deve ter ido com a minha voz e disse “passa aqui”. Fui andando a pé da Mercer St. com 4th Street até a rua 43, onde era o Times, com a pasta debaixo do braço. Fiquei lá umas três horas e saí com um “assignment” já pro próximo dia. Era sobre “a perda de identidade” no mundo, e mandei ver. Tinha que levar o desenho no dia seguinte antes das 15h. Levei. Ela amou. As 11h30 da noite daquele mesmo dia, já estava nas bancas: meia página da OpEd com a minha primeira ilustração. No dia seguinte ela me ligou. Tinha outro assignment. E mais outro e mais. E assim passaram-se quatro anos ou mais: prisioneiro do NYTimes. Cada desenho me pagava 350 U$, imagina isso no início dos anos 80. É, obvio, vieram mais convites. Veio o Boston Globe Magazine, o Atlantic Monthly, o Mother Jones, Vanity Fair e tantos outros. Fiz uma fortuna.
Reprodução de página do NYT com ilustração de GT no backdrop da peça Um circo de rins e fígados
Fale um pouco sobre o livro que vai reunir seus desenhos
– Está saindo pela Cobogó Editora, em inglês e português, 180 páginas, 360 desenhos/pinturas/ilustracoes e scribbles. Quem está paginando é o Victor Hugo Ceccato. Olha o link abaixo com uma prévia do livro:
http://geraldthomas.net/OP-Illustrations-Book-1of2.html
A professora Silvia Fernandes tem um livro chamado “Gerald Thomas em cena”, em que ela reproduz alguns de seus “cadernos de direção” e, a partir da análise deles, faz considerações sobre o seu processo criativo no teatro. Tudo começa a partir do desenho? O texto vem depois, GT?
– Acho que sim. Mesmo que não seja do desenho ou pintura em si, vem de uma “situação visual”, por falta de um termo melhor. O texto vem junto. Tem desenhos em que o texto está rascunhado pelas bordas da página. Isso quando não vem já no corpo do desenho em si. A luz também está ali.
Ilustração para o New York Times OpEd Page circa 1982 – coffee, mixed media
– GT, você topa responder à minha versão condensada do Questionário Proust?
– Ahá, chegamos ao ponto mais baixo de nossas vidas !!! São as perguntas básicas do JA, o jornal que o Tarso de Castro fez antes de morrer. Já te respondo.
Sua virtude preferida – A de ouvir as pessoas e ser grato aos meus mentores.
Suas qualidades preferidas em um homem – Que ele se cale sobre suas virtudes sexuais porque é sempre bullshit.
Suas qualidades preferidas em uma mulher – O tamanho do salto alto.
Seu principal defeito? – O tamanho do meu salto alto.
Sua ideia de felicidade? – Ganhar um salto alto maior. Salto Alto, California.
Onde gostaria de viver? - No King David Hotel em Jerusalem.
Seus autores favoritos? – “Vivos ou mortos? Ou aqueles que ainda não decidiram?”
Seus heróis preferidos na ficção – “Kafka e o cara aqui da esquina da 3 Avenida que faz fotocópias!!!”
Sua bebida preferida? – “Açaí orgânico, pela Sambazone em forma de smoothie.”
Sua comida preferida? – “Pato no tucupi.”
Qual o seu estado de ânimo atual? – “Deprimido como sempre.”
Seu lema – “Olhar a cor do sinal de trânsito e tentar fazer o contrário porque em Londres tudo é ao contrário.”