Gerald Thomas parou. 'Não quero ouvir falar de teatro', diz o diretor

Alessandra Duarte

RIO: Gerald Thomas vai deixar o teatro. No mês passado, o diretor que fez da controvérsia seu gênero teatral divulgou pela internet um artigo no qual afirmava que daria adeus ao teatro. "Continuar o quê?", disse ele no artigo; "Se formos analisar o último filme ou CD de fulano de tal, ou a última coreografia de não sei quem, veremos que tudo é uma mera repetição medíocre e menor (...)". Ao GLOBO, por e-mail, o diretor confirma a saída, mas não se será definitiva.

RIO: Você vai parar de dirigir? É sua aposentadoria?

GERALD THOMAS: Eu não chamaria de aposentadoria. Aposentadoria implica receber pensão, não? Não é o meu caso. O meu é um pouco mais profundo. Acredite.

RIO: Se é um ''breve'' adeus, como você diz no artigo, você para por um tempo e depois volta?

GERALD: Não tenho nada decretado. Digo no meu artigo que preciso de tempo pra me achar e que não há originalidade alguma na minha geração. Digo que os tempos de hoje estão extremamente chatos, e as verdadeiras estrelas são aquelas fora do teatro: não faz mesmo sentido entreter um pequeno número de pessoas presas em cadeiras, vendo "miragens" no palco. Essa mentirinha está mal contada. E eu parei de contá-la. Mas não estou reclamando: me deram "the time of my life". Tive os melhores teatros do mundo e agradeço a Deus por isso.

RIO: Vai participar de projetos teatrais fora da direção?

GERALD: Eu parei. Procure me entender. Parei. O Gerald Thomas parou.

RIO: Vai deixar de assistir a peças também?

GERALD: Não quero nem ouvir falar de teatro ou em teatro.

O que você fará a partir de agora? Vai estudar? O quê? Vai viajar? Para onde?

GERALD: Vou trabalhar alguma prosa, pensar na vida. Pensar na vida. Repensar no que aconteceu e onde tudo se perdeu. Porque... te digo com toda a sinceridade: a mediocridade reina, seja na música, seja nas artes plásticas ou no cinema. Então... estamos atravessando um período onde é melhor se calar e... quieto no meu canto, vou pisar em outras calçadas que não NY e Londres, e essas que piso sempre.

RIO: Você fala que não tem vontade de criar um "iTheatro''. As experiências culturais ao vivo, como o teatro, estão em declínio? Quando se vai a um show de música, as pessoas não assistem mais a ele sem fotografar ou filmar. Se pudessem fazer o mesmo com as peças, ajudaria o teatro?

GERALD: Uma de minhas últimas peças foi "Kepler the dog: um cão que insultava mulheres", levada ao ar pelo "Ig". Então, isso, eu já fiz. Foi visto numa noite por mais gente do que uma peça é vista numa temporada inteira. Não culpo o público nunca. Culpo a nós mesmos por não termos tido a coragem de ter ido mais longe: ficamos nessa merda de desconstrutivismo por tempo demais. E deu no que deu. Caiu tudo. A minha geração não tem cultura, falta cultura a essa falta de cultura!

RIO: Como entrar em contato com os que se nivelam pela "culturazinha de merda'', como você diz no seu artigo? A sua geração artística não teria conseguido lidar com isso?

GERALD: Não competíamos com a internet ou a TV a cabo e o Twitter e o celular que manda text message, e isso e aquilo. Isso tudo afasta qualquer pessoa da arte. Seja a arte que for. Havia um tempo para ser dedicado à arte. Havia uma imprensa que nos apoiava aqui em NY. Hoje a imprensa que resta (o "Village Voice") virou um bando de anúncio de travestis.

RIO: Acha que esse nivelamento por baixo, esse esvaziamento da arte, poderia se ligar a um também esvaziamento da política? Assim como as pessoas não teriam mais paixões políticas, estariam mais cínicas também para uma discussão da cultura?

GERALD: Como assim "não têm paixões políticas"? Coloquei toda a minha energia na campanha do presidente Obama ano passado. E acho ótimo ter feito isso!!!!! Aqui, nos EUA, não há cinismo algum em relação à política, e sim, um tremendo renascimento político. Não cultural. Mas político, sim.

RIO: Sua decisão de abandonar o teatro parece vir de um processo longo de reflexão. Mas houve algum acontecimento que tenha servido de gota d'água, de catalisador para essa sua decisão? O que foi?

GERALD: Foi há um mês, quando estive em Amsterdã pela 30 vez e vi um dos autorretratos de Rembrandt. Aquele que ele pintou aos 55 anos. Eu estou com 55 anos. Nos comunicamos através de um estranho olhar. Ele num tempo, e eu, num outro, divididos por 400 anos. Fiquei de tal forma emocionado com aquele quadro (que conheço a minha vida inteira) que dessa vez algo em mim simplesmente se quebrou.